Acordei
e senti o peito cheio, cheio de vazio. Sentei na cadeira e olhei pela janela,
não tinha cortina e nem o sonho era lembrado. Olhei para os lados e estava só.
Não tinha peso, nem arrependimento e para o meu desespero nem saudade. Não
existia asa de lençol e nem falar coisas engraçadas antes de dormir fazia mais sentido. Não era
conchinha e nem travesseiro. Não era parede e nem era sorriso. O pensamento
pregando peças e eu me flagrando em presentes futuros. Eu entendi. Eu entendo!
Não tinha pólvora, não era fogo. Não tinha banco, não era tanto. Não tinha
foto. As cartas eu rasguei, os nomes apaguei, até das minhas tortas lembranças.
Faço questão de não lembrar o que gostava e como gostava. O grito ainda é
abafado no peito, os olhos ainda guardam as mágoas e o coração, ah o coração tá
voltando a comer aos poucos. Cds, musicas, fotos, sofá, cama, nada faz mais
sentido do que a página do meu diário rasgada, as datas riscadas. A loucura
perdeu, eu ganhei. Já não estou mais onde não pertenço, o passado reconheceu
seu insignificante lugar e se calou. Os pássaros pousam na minha janela da sala
e por algumas vezes rasam voos rápidos pelos meus caminhos no corredor sem
fobias noturnas. Eu estou bem, pareço estar bem? Queria possuir uma estrela,
brilhar ela no coração e sorrir sua luz de mansidão. E só pra constar, de manso
o tempo não tem nada. Desenho na calçada, caminho de pedras. Vou adiante e
quando chegar onde tenho que chegar você não estará, nem sombra será. Arderá no
sol ao me acompanhar com seus olhos nos espaços em branco que não lhe cabe.
Antes transbordei, hoje sobro, folgo, danço... É vazio, mas tem sorriso. Eu
esqueço, mas tem lembrança. A saudade não é sentida, os momentos inexistem e
você evapora. Vou pensar um pouco embaixo daquela árvore, olhar para o céu e
divagar pensamentos soltos que não condizem com músicas usurpadas da minha
lista de preferidas. Assalto-me e crio caminhos passo a passo eu passo você e
te deixo para trás e sem virar para a direita ou esquerda sigo reto, até ensaio
uns passos de alegria e alívio. A cada dia você vira pó e eu liquido fluido
derramo-me reaprendo a transbordar. A fome é vencida, o medo também... Já não
tenho medo de dobrar as esquinas e sei que falta pouco para eu não mais te
reconhecer na rua ou na minha vida, afinal, agora sim eu me sinto viver. Moro
em mim e fiz confortável minha nova casa pra que eu não precise sair. Para
frente que estou andando, talvez eu dobre para a direita ou esquerda, mas eu
apenas sigo. Você deixou bagunçado e sobrou para eu cuidar de tudo, mas eu
arrumei diferente e não há mesmice ou rotina que me faça acomodar o inquieto
coração que reaprende andar. Esses dias ele flutuou, ele não tarda a voar de
novo e aí nem as nuvens saberão que um dia eu fui nós. A liberdade me quer e o
amor me tem. Não adianta me procurar, você ficou para trás e eu apaguei todas
as minhas pegadas, não esqueci nada e não tenho motivos para voltar. Vida de
metade não me cabe mais. Agora sou inteira, dona de mim e posso voar para onde
eu quiser e o meu maior segredo é que eu sempre escrevi sua historia de lápis e
ela foi completamente apagada. Desculpa, mas você não existe mais, nem nos
devaneios de inverno. Nem na intimidade do meu ser e muito menos nos dias de
céu aberto.
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
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